Flavio Serafini

CPI do Rioprevidência

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) instalou em 28 de março de 2019 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Rioprevidência) que tem como objetivo investigar as operações financeiras realizadas pelo Rioprevidência, reunindo informações fornecidas pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ) e pelo Ministério Público (MP/RJ). A comissão é presidida pelo deputado Flavio Serafini (PSOL). O deputado Alexandre Freitas (Novo) e Waldeck Carneiro (PT) foram eleitos, respectivamente, vice-presidente e relator da comissão.

“Nosso primeiro passo foi solicitar documentos, junto ao TCE/RJ e o Ministério Público, balancetes, informações de repasse financeiro, receitas confirmadas, decisões que possam ter impactado nas arrecadações da Rioprevidência e avaliar e entender de forma eficiente os problemas que afetam servidores, pensionistas e aposentados”, afirmou Flavio Serafini logo que a CPI foi instaurada.

Ainda compõem a comissão os deputados Eliomar Coelho (PSOL), Renata Souza (PSOL) e Anderson Moraes (PSL). As audiências acontecem às quintas-feiras, às 10h, na sala 311 do Palácio Tiradentes no centro do Rio de Janeiro.

A seguir, um resumo preparado pelo nosso mandato coletivo sobre as informações que a CPI do Rioprevidência vem reunindo desde o início das investigações:

A criação do Rioprevidência

Através da Lei Nº 3189/99 foi criado o Rioprevidência. Os servidores ativos e inativos do estado que antes antes tinham suas aposentadorias e pensões pagas pelo Tesouro e IPERJ, dentre outros, foram transferidos para a nova autarquia, que passou a constituir um fundo que deveria buscar um equilíbrio financeiro e atuarial. 

Destaca-se que nesta transferência foi criado um desequilíbrio estrutural do Rioprevidência, já que foram realocados servidores sem transferir também a receita necessária para garantir suas aposentadorias. Essas receitas haviam sido apropriadas explícita ou implicitamente pelo governo por anos, que não as repassou ao Rioprevidência.  

“Porém, por ter assumido todo passivo previdenciário do ERJ à época, sem ativos que pudessem dar suporte, o fundo constitui-se deficitário desde sua origem, não possuindo o equilíbrio financeiro e atuarial trazido pela reforma previdenciária inaugurada pela EC nº 20/98.” (Processo nº 109.230-6/2015, fl. 4)

Convém lembrar que quando foi aprovada a Constituição de 1988, não se previa contribuição previdenciária dos funcionários públicos nem a contribuição patronal do estado, devendo os benefícios serem considerados como parte do gasto de pessoal do ente público. A contribuição assim estava implícita, devendo o governo garantir o pagamento dos benefícios previdenciários. 

Com o tempo a contribuição passou a ser regulamentada e ser explicitada contabilmente. Por exemplo, no Rio a contribuição patronal devida ao Rioprevidência só foi regulamentada em 2004, quando o governo passou a aportar 11% sobre o salário dos servidores ativos. Apenas em 2016 passa a pagar o dobro da contribuição dos servidores, 22%.

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(Processo nº 109.230-6/2015, fl. 14)

No entanto, quando o Rioprevidência foi criado, não foi feito estudo da arrecadação devida referente aos anos de trabalho aos servidores que estavam sendo transferidos para a autarquia. O Tesouro deixou de repassar esses recursos, criando um desequilíbrio estrutural. Esse déficit estrutural não foi estimado, mas pesa ainda sobre as contas do Rioprevidência. 

Neste sentido, relatórios do TCE apontam que, desde sua criação, a autarquia apresentava déficit nas avaliações atuariais, avaliações que buscam fazer um um cálculo que para estimar e estruturar as receitas e despesas da previdência ao longo do tempo. O déficit atuarial do Rioprevidência no ano de sua criação já somava 25 bilhões (Contas de Governo 1999, processo n° 103.499-9/00, folha 678).

A despeito disso, o Rioprevidência apresentava uma situação financeira estável, com suas receitas anuais superando suas despesas. Eventuais deficits eram cobertos com as reservas acumuladas pela autarquia. Para esse cenário, foi importante a política de transferência de receitas para o Rioprevidência. A seguir, destacam-se os ativos que foram sendo alocados para o fundo (Processo TCE-RJ nº 109.230-6/2015):

  1. Contribuição previdenciária dos servidores – derivada do desconto em folha dos servidores ativos e inativos, atualmente a alíquota é de 14%
  2.  Contribuição patronal – quantia devida pelo estado correspondente a 22% sobre os ativos do plano previdenciário e 28% sobre os ativos do plano financeiro.
  3. Royalties e participações especiais do petróleo – com base no inciso XII, do artigo 13 da Lei 3.189/99, o Decreto 37.571/05, alterado pelo Decreto 38.162/05, incorporou ao fundos direitos do  RJ sobre os royalties e participações especiais que tenham como consequência o ingresso de valores a partir de janeiro de 2006. A gestão seguinte ratificou tal medida por meio do Decreto 42.011/09.
  4. Certificados Financeiros do Tesouro – na renegociação da dívida dos estados com a União em 1997, o Governo Federal emitiu títulos em favor das unidades federadas para garantir alguma liquidez aos fundos de previdência no médio e longo prazo. O fluxo de receitas para o ERJ findaria, originalmente, em 2014.
  5. Imóveis – diversos imóveis e terrenos que pertenciam ao ERJ e não eram utilizados foram repassados para o Rioprevidência. Ao longo dos anos a gestão do fundo preconizou a venda desses imóveis existindo atualmente pouquíssimos bens disponíveis. Desde 2011 não ingressam valores expressivos referentes a esses bens. O único imóvel de valor expressivo ainda restante é um terreno no Leblon, repassado em troca de 450 milhões entregues ao Tesouro, mas sem uma devida avaliação de seu valor de mercado.
  6. Créditos da dívida ativa – o Decreto 25.217/99 incorporou ao fundo os recursos advindos da liquidação dos créditos tributários e não tributários inscritos até 1997 em dívida ativa do ERJ, de suas autarquias e fundações. Posteriormente o Decreto 37.050/05 incorporou ao patrimônio do fundo a totalidade dos créditos tributários e não tributários inscritos e que viessem a ser inscritos em dívida ativa do ERJ, bem como os recursos advindos da sua liquidação. Em 27.12.12, o Gerj editou o Decreto 44.006/12 na intenção de anular o Decreto 37.050/05 e tornar sem efeito quaisquer implicações por ele geradas, decreto que está sob disputa de juridicidade.
  7. Créditos de parcelamento do ICMS – o Decreto 36.994/05 incorporou ao Rioprevidência os créditos tributários parcelados de titularidade do ERJ.
  8. Créditos do Fundes – o Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social foi instituído para financiar programas e projetos prioritários em setores estratégicos para o desenvolvimento econômico e social do Estado. O Decreto 40.155/06 incorporou ao Rioprevidência os valores do fluxo do FUNDES ingressados a partir de 2007.
  9. Créditos do Fremf (Fundo de Recuperação Econômica dos Municípios Fluminenses. utilizado para financiar empreendimentos geradores de emprego e renda em diversos setores considerados relevantes) – em 2011 o Tesouro Estadual realizou saque da Conta B no valor de R$ 400 milhões. Para recompor aquela conta foi dado como garantia o fluxo de royalties e participações especiais. Porém, como esse fluxo era de propriedade do Rioprevidência, o Decreto 42.755/1034 incorporou ao patrimônio do fundo os direitos referentes ao Fremf, no mesmo valor (R$ 400 milhões). Em 2014, esse limite foi atingido não havendo previsão de novos ingressos do Fremf para os próximos exercícios. Tratou- se apenas de uma troca de liquidez entre o Gerj e o Rioprevidência sem reflexos de capitalização.
  10. Saques de depósitos judiciais e extrajudiciais – a LCE 147/13, alterada pela LCE 163/2015, permitiu a incorporação ao Rioprevidência de 37,5% dos depósitos judiciais e extrajudiciais existentes no Banco do Brasil. No exercício de 2015 o Tesouro Estadual transferiu para o Fundo o equivalente a R$ 6,6 bilhões referente aos recursos desses depósitos, no entanto o volume dos saques nos próximos exercícios tende a ser menor.
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(Processo nº 109.230-6/2015, fl. 24)

Oneração do Rioprevidência 

Assim, por anos o Rioprevidência manteve uma situação estável, inclusive pagando eventuais déficits financeiros (como em 2009 e 2012) com a disponibilidade financeira de exercícios anteriores. No entanto, o Rioprevidência nunca conseguiu formar uma reserva sólida que pudesse, em momentos de crise e de queda de arrecadação, ficar protegida de oscilações. Isso porque o governo, especialmente a partir dos governos Cabral e Pezão, executou uma política de retirada de recursos da autarquia, usando usando os recursos previdenciários dos servidores para garantir sua solvência.  Nas palavras do Tribunal de Contas: 

“Não obstante, observou-se que, na medida em que o fundo apresentava algum resultado financeiro positivo, o produto do superávit financeiro era revertido para o tesouro estadual – por ocasiões em que o governo retirava diretamente recursos do fundo ou deixava de aportar receitas legalmente vinculadas ao seu patrimônio – na contramão da busca pelo equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS.” (Processo nº 109.230-6/2015, folha 25)

Foi um processo de oneração do Rioprevidência que o levou aos atuais problemas financeiros. A seguir, detalhamos os processos de retirada de receitas: 

  1. O ERJ não repassou integralmente os recursos da dívida ativa. Em 2012, o governo editou o Decreto 44.006 desobrigando o Estado de realizar os repasses previstos, e cancelando qualquer divída existente pelos repasses não feitos. No entanto, a procuradoria do Tribunal de Contas contesta a validade deste decreto. Os valores acumulados que deixaram de ser repassados de 2005 a 2015 são de R$3,7 bilhões (Processo TCE-RJ 109.230-6/15, folha 67).
  2. O governo não repassou os recursos do parcelamento do ICMS, conforme determinado pelo Decreto n° 36.994/05, acumulando uma dívida de R$1,7 bilhão entre 2005 e 2015 com o Rioprevidência (Processo TCE-RJ 109.230-6/15, folha 67).
  3. As receitas dos  Certificados Financeiros do Tesouro –CFT’s garantiam um fluxo de receitas para o Rioprevidência até 2014. No entanto, o ERJ realizou sucessivas antecipações destas receitas, com resgates desses títulos em 2003, 2007 e 2011. O governo se comprometeu a recompor esse fluxo, o que nunca foi feito. A perda estimada é de de R$5,1 bilhões em valores de 2015 (Processo TCE-RJ 109.230-6/15, folha 67).
  4. Os royalties do petróleo e das participações especiais, descontadas as vinculações legais, foram incorporados ao Rioprevidência em 2005 (Decreto 37.571/05, alterado pelos Decretos 38.162/05 e 42.011/09). No entanto, em 2012 o Decreto 43.911/12 retirou 13% desses recursos 13% para o pagamento da dívida contratual do Estado com a União. Ou seja, o Estado financiou parte de sua própria dívida com os recursos que deveriam permanecer alocados no Rioprevidência. Os valores acumulados entre 2012 e 2015 são de 3,3 bilhões (Processo TCE-RJ 109.230-6/15 folha 67).
  5. Em 2011 o Tesouro Estadual sacou R$ 400 milhões da Conta B do Rioprevidência. A recomposição deste valor deveria ser feita pelos recursos do Fremf, pelo Decreto 42.755/10. Isso só terminaria de ser pago em 2014. (Processo TCE-RJ 109.230-6/15 folha 68)
  6. O governo sacou 450 milhões do Rioprevidência em troca de um terreno no Leblon, de difícil venda e do qual não se tem um estudo sobre seu real valor de mercado. (Processo TCE-RJ 109.230-6/15 folha 67)
  7. O governo realizou leilões para antecipar as receitas do Fundes. O Decreto 45.076/14 permitiu que a receita gerada por essa securitização fosse desvinculada do Rioprevidência sem que, no entanto, houvesse qualquer tipo de compensação ao seu ativo. Assim, o Tesouro arrecadou 1 bilhão, com um prejuízo nominal de 1,2 bilhões para o Rioprevidência (Processo TCE-RJ 109.230-6/15 folha 68).
  8. Em 2013 o Rioprevidência vendeu recebíveis, captados no mercado doméstico, no valor R$3,3 bilhões referentes a dois contatos  de cessão definitiva de créditos de royalties e participação especiais pela exploração de petróleo e gás ativos (CEF até 2018 e BB até 2025).
  9. Em 2014, foram levantados R$5,3 bilhões por meio de uma operação internacional , por meio da Rio Oil Finance Trust, localizada no Estado de Delaware. Foram emitidos títulos relativos ao recebimento de receitas de royalties e participação especial até  até 2027, no exterior. Ágio de 6,25% para primeira tranche e 6,75% na segunda tranche. Foi considerada a completa destruição da sustentabilidade do Rioprevidência. Para realizar a operação no exterior o Rioprevidência necessitou converter as operações de 2013 em debêntures, o que ocasionou gastos ainda maiores para a operação interna e um aumento de sua TIR para cerca de 18,50%.
  10. Com as quebras contratuais de 2015, todas as operações sofrem um aumento de 3% na taxa de juros (inclusive as debêntures devidas a CEF e BB que eram originalmente mais caras que as operações externas).

Apenas com alguns desses processos, o TCE-RJ estima que foram desviadas receitas que giram em torno de 15 bilhões, conforme detalham as tabelas a seguir:

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(Processo Nº 108.168-2/16, fl. 89)

https://lh5.googleusercontent.com/xwmvDNfdoJVkAWQLB-UJa6mdTB78iXLtkJFXUnPqiaclHskd5TWc7i3trtBTP-5xWZXTteYIa4SKY-namXDelzjmTvKWJzBWx0_ciP3h4fpOSTZ4L033hKSSlFkbvQfbtG5tifX3

(Processo nº 109.230-6/2015, fl. 69)

Reforma de 2012

Este processo de oneração do Rioprevidência é também chamado pelo TCE de descapitalização, em que as receitas do fundo previdenciário foram sendo dilapidadas. Destaca-se que não houve nenhum estudo técnico que embasasse o governo sobre os impactos da retirada de receitas, nem nenhuma transparência ou debate público. Muitas dessas retiradas de receitas foram feitas por decretos, enquanto outras não seguiram nenhuma normativa, simplesmente ignorando a lei.

Assim, foi construído um desequilíbrio financeiro no Rioprevidência que foi base para que o governo começasse a advogar pela necessidade de reformar o sistema. O déficit atuarial persistia, pelos problemas estruturais da criação do Rioprevidência e pela queda de ativos, com este processo de oneração e retirada de receitas da autarquia. Ao invés de tentar recuperar ou compensar essas receitas, o governo articulou em 2012 propostas de reforma que alteravam as bases do próprio sistema previdenciário, iniciando uma transição para um regime de capitalização. 

Com a Lei Nº 6243/2012, foi estabelecido um teto previdenciário e criada a previdência complementar do estado, o RJPrev, de gestão privada. E com a Lei Nº 6338/2012, foi realizada a segregação de massas no Rioprevidência. Este processo separou os servidores do Rioprevidência em dois fundos, cada um atendendo a uma lógica de previdência. 

Os novos servidores, que entrassem no serviço público após setembro de 2013, ingressariam no chamado Plano Previdenciário. Este plano funcionaria no regime de capitalização, com um fundo coletivo, ou seja, a contribuição dos servidores, somada a patronal, seria poupada e direcionada para aplicações financeiras, e deveriam render para garantir a aposentadoria futura desses servidores. Devemos destacar os riscos inerentes deste sistema previdenciário, que pode de fato acabar com o sentido de uma previdência solidária que proteja os trabalhadores das oscilações da economia.

Os servidores antigos, por sua vez, contratados até setembro de 2013, ficaram no chamado Plano Financeiro, que funcionaria no sistema de repartição simples, ou seja, os benefícios previdenciários deveriam ser pagos pela contribuição dos servidores ativos no momento. Mas como não entram novos servidores neste plano, a tendência é haver cada vez menos recursos para pagar as aposentadorias, tornando um déficit inevitável. Por conta disso, as leis que regulamentavam este processo obrigavam que o estado seria responsável por cobrir qualquer insuficiência financeira nesta massa. Qualquer déficit deveria ser bancado pelo estado, como prevê o Artigo 15º da Lei Estadual Nº 6338/2012 ou a portaria do Ministério da Previdência que regulamentava o Processo,  Portaria MPS 403/08.

Deve-se destacar que a segregação de massas era a última alternativa prevista pela legislação. Como dispões a Portaria MPS 403/08, em caso de déficit atuarial, o governo deveria ter apresentado um plano de amortização, com aporte de receitas e aumento da contribuição patronal. Nada disso foi feito, e nenhum estudo foi elaborado sobre os impactos fiscais e de cobertura previdenciária desta segregação de massas. Além disso, o modelo de reforma manteve os servidores militares no Plano Financeiro, o plano antigo, contrariando também a legislação. 

Não à toa, a segregação de massas não resolveu os problemas da previdência no Rio de Janeiro. A partir da reforma, o Rioprevidência apresentou sucessivos déficits financeiros, e o deficit atuarial explodiu, passando de R$36,4 bilhões em 2012 para R$116,3 bilhões em 2014. 

Mas é importante destacar que perdeu o sentido tratar de deficit financeiro no Rioprevidência. Por um lado, o Plano Financeiro não mais possui déficit, mas insuficiência financeira, uma vez que o Tesouro deve fazer os aportes para equilibrar as contas anualmente desta massa. E o Plano Previdenciário se mantém superavitário com uma poupança de 1,3 bilhões atualmente, segundo informado pelo Rioprevidência em oitiva da CPI.

Por outro lado, a reforma de 2012 não continha os instrumentos de fato para equacionar o deficit atuarial da previdência do Rio, que vem de problemas na criação da autarquia e da falta do correto repasse das receitas que lhe pertencem. A reforma apenas possibilita então que a contribuição dos novos servidores seja acumulada em uma poupança, para que essa poupança possa ser investida em mercados financeiros. Ou ainda, volte a funcionar como uma reserva para que o governo saque sempre que assim desejar, sem qualquer compromisso com a aposentadoria dos servidores. 

É um processo que já está em curso, como revela a análise do TCE das contas de governo de 2017. Nos últimos anos o governo atrasou repasses da contribuição patronal e dos servidores para este o Plano Previdenciário,  acumulando uma dívida de R$125 milhões ao final de 2017 – valor equivalente a 14,7% de todo os recursos do regime previdenciário. (Processo nº 113.304-9/18)

Enquanto isso, paralelamente, os servidores antigos seguem em uma massa que avança em desequilíbrio, com dificuldades financeiras que só podem crescer, já que o governo se recusa a assumir sua responsabilidade sobre as dificuldades financeiras do Rioprevidência. Pois se por anos retirou recursos do Rioprevidência, agora é mais do que justo que transfira receitas e cubra qualquer insuficiência.

Antecipações dos Royalties do Petróleo

Mesmo após a reforma de 2012, o governo continuava a buscar formas de encarar o crescente desequilíbrio financeiro, sem assumir sua responsabilidades e aportar recursos ao Rioprevidência. Assim, começou a desenhar o modelo de antecipações de royalties e participações especiais do petróleo, que constituíam uma das principais receitas do Rioprevidência.

As primeiras operações de antecipação ocorreram em 2013, no formato de cessão de crédito direto. Essa operação, feita em mercado nacional, não tinha um garantidor, e assim se assemelhava a uma operação de crédito. Foram realizadas duas antecipações separadamente com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, nos valores de R$ 2,3 bilhões e R$ 1,0 bilhão, respectivamente. Eram operações mais estáveis, já que o fluxo de pagamentos já estava definido.

O ingresso total de R$ 3,3 bilhões permitiu que o fundo encerrasse o exercício de 2013 com o caixa equilibrado. Por outro lado, as obrigações financeiras decorrentes da operação implicavam em uma retenção nas receitas dos royalties de R$ 738 milhões já a partir do ano seguinte, custando 5,8 bilhões a ser pago até 2025. Isso revela como o governo apenas postergou os problemas nas contas da previdência, com graves custos. (Processo Nº 108.168-2/16, fl. 95).

Em 2014, o governo optou por fazer uma nova antecipação. Mas desta vez, optou por realizar uma securitização dos royalties, no mercado externo. Diferentemente do processo de cessão de crédito, em uma securitização há um garantidor da operação, uma Sociedade de Propósito Específico (SPE). Esta SPE emite títulos para investidores em mercados financeiros, que compram o direito de receber as receitas futuras de royalties. Assim, ao contrário da operação realizada anteriormente o governo abriu mão da soberania sobre suas receitas para uma entidade que poderia garantir segurança aos investidores. Essa emissão de títulos referentes aos royalties de petróleo foram pioneiras no mercado externo. Cabe destacar que o governo do Rio de Janeiro, através do Rioprevidência, assumia assim uma dívida externa, em dólares, em mercados financeiros de alta volatilidade. Um processo extremamente arriscado que, como vemos hoje, cobra seu preço.

Para estruturar essa operação em bolsa de valores internacionais, é necessário todo um arcabouço jurídico e financeiro. Assim, foi criada uma SPE em Delaware, a Rio Oil Finance Trust (ROFT). Delaware é um estado americano caracterizado como paraíso fiscal pela permissividade de sua legislação. Esta empresa, criada pelo Rioprevidência, é regida pela legislação local americana, e tem por representante legal a empresa National Wilmington Trust e como garantidor o Citibank NA. 

Para que a ROFT pudesse deter o direito sobre todos os royalties e participações especiais do Rioprevidência, foi necessário quitar a cessão feita no ano anterior com a Caixa e o BB. Para isso, foi criada a Rio Petróleo S/A, outra SPE que lançaria debêntures para extinguir as emissões anteriores. A Rio Petróleo S/A possui como agente colateral a empresa Planner Trustee Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda.

O tribunal de contas encontrou dificuldades ao tentar analisar os contratos destas SPEs. Não há transparência sobre como foram escolhidas essas empresas representantes, suas remunerações, e seus limites de atuações. As SPEs não constam também nos balanços e sistemas de transparência do estado do Rio de Janeiro (Processo Nº 108.168-2/16, fl. 105).

Mediante todo esse aparato jurídico e financeiro, o governo realizou, em 2014, três operações de securitização dos royalties. Assim, conseguiu arrecadar R$ 8,226 bilhões, com saídas previstas da ordem de R$ 15,666 bilhões, com prazo final de pagamento no ano de 2027. Parte da receita levantada foi utilizada para quitar as dívidas com a Caixa e o BB. (Processo Nº 108.168-2/16, fl. 106). Esses pagamentos comprometiam as receitas do Rioprevidência até 2027, conforme o fluxo a seguir:

https://lh4.googleusercontent.com/XoUbG7dhPd6ORRsljk2UV4WKb9zW9Luq8q_WXf91F_pFzQ_-_UAbwCzG4VVlIGGokyULCX1w36CzAfIDBqCneuCvFVgjsjgj2KfqawxkaltiVVKbDy07rBjZxgysTRa8SsLvc5P2

(PROCESSO Nº 108.168-2/16, fl. 106)

Esse cenário preocupante se agrava quando o preço do petróleo despenca ao final de 2014. Junto de uma forte aceleração do câmbio, as receitas de royalties e participações especiais caíram abruptamente, ficando abaixo de um limite de segurança estipulado nos contratos Assim, o Rioprevidência entrou em default técnico (quebra contratual) em 2015. 

Os contratos possuíam cláusulas de proteção para os investidores que adquiriram os títulos dos royalties de petróleo, e assim foram aplicadas penalidades.Destaca-se:

  1. Ficava o Rioprevidência proibido de realizar novas emissões de títulos
  2. Aumentava a taxa de juros da operações em 2% (step-up)
  3. Acelerava o fluxo de pagamento, ficando retidos além do pactuado, 60% da receita de R&PE do Rioprevidência.

Os custos estimados pelo tribunal de contas para estas penalidades seria de 2 bilhões (Processo  Nº 108.168-2/16, fl. 113).

Diante deste cenário, o Rioprevidência negociou com os investidores, num processo chamado de waiver.  Essa negociação foi desastrosa, já que aumentou o custo das operações (a taxa de juros das operações subiu mais 1%), com um adicional que chega a quase 1 bilhão de reais. Na visão do Tribunal de Contas, a principal penalidade afastada foi para manter a possibilidade de seguir emitindo títulos no mercado externo. E todo este processo envolvia enorme risco, já que tornava ainda  mais difícil para o Rioprevidência cumprir as cláusulas contratuais (Processo  Nº 108.168-2/16, fl. 113-115).

Logo, seis meses após o waiver, o Rioprevidência entra novamente em default, incorrendo em novas penalidades, que aceleram o fluxo de pagamentos de royalties e o montante devido.

Ao final de 2017, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPERJ) estimou os custos totais dessas operação, após todas as quebras contratuais. Até então, já haviam sido realizados 6 renegociações (waivers). O custo estimado para os cofres do Rioprevidênciada operação de securitização realizada em 2014 é da ordem de R$10 bilhões, em termos nominais, considerando a diferença entre os valores adiantados (R$ 8,65 bilhões) e os valores que serão pagos até 2019 (R$ 19,37 bilhões), quando deveriam se encerrar os pagamentos de todas as parcelas referentes a essa operação. (Relatório GAESF – MPERJ).

Destaca-se as condições absurdas do contrato assinado, que os próprios gestores atuais consideram danosas. As cláusulas do contrato são tais que o aumento de juros de 3% pelo primeiro default não poderá ser jamais reduzido, mesmo tendo o preço do petróleo já se recuperado significamente. Qualquer negociação que o Rioprevidência venha a iniciar paga uma multa milionária, e deve ser feita através da consultoria jurídica da Hudson McKenzie.

Fica claro que essas operações comprometeram profundamente o equilíbrio do Rioprevidência. Em 2016, dos recursos de royalties e PE ingressados aos cofres estaduais, 53,0% foram utilizados para pagar as antecipações anteriores; em 2017, os pagamentos atingem 57,8% do total de recursos ingressados. 

Apesar do desastre, em 2017 o governo optou por realizar nova antecipação de royalties, desta vez em Luxemburgo, e que foi concluída em 2018, a despeito dos protestos do Tribunal de Contas e do Ministério Público Estadual. A nova operação antecipou cerca de R$3 bilhões. Assim, segundo as estimativas mais recentes do MP apresentadas em oitiva da CPI, por uma antecipação total de 11 bilhões (2014 e 2018), teremos que pagar até 2027 25 bilhões.

Reformas recentes

O que vemos é que o Rioprevidência foi entregue a uma lógica de privatização e  financeirização, com uma estrutura moldada para o desmonte previdenciários. Os recursos vinculados da autarquia são desviados regularmente. Para pagar esse desequilíbrio, o governo aplica as receitas do Rioprevidência em recorrentes operações de securitização no mercado financeiro, com altos riscos.

Com o desastroso resultado dessas operações e com crescentes problemas financeiros no Rioprevidência, a solução tem sido criminalizar os servidores. Em 2017, no âmbito do pacote de maldades de Pezão, foi aprovada lei que aumenta a contribuição previdenciária. Notadamente, a Lei Nº 7606/2017 aumentou a alíquota de contribuição previdenciária de 11% para 14%. 

Agora, a Reforma da Previdência de Bolsonaro e Paulo Guedes a PEC 06/19, quer tornar esse ajuste automático, culpando e onerando os servidores por um déficit atuarial, que como vimos aqui no Rio de Janeiro, é fruto de um verdadeiro desvio das receitas da previdência. Não está claro que proposta o governador Witzel vai apoiar, mas há a possibilidade de subir ainda mais a contribuição dos servidores. E não se fala de reaver esses recursos roubados dos servidores. 

É preciso retomar a ideia de uma previdência social e solidária, um pacto intergeracional em que trabalhadores e a sociedade como um todo se protegem em momentos de vulnerabilidade. O estado tem que assumir a responsabilidade sobre os sistemas previdenciários em momentos de crise. Se tira dinheiro da previdência em momentos de bonança, nada mais justo que agora pague por qualquer dificuldade.

As dívidas dos estados tem que ser renegociadas de maneira justa, suspensas enquanto durar a crise, e deve ser feita uma revisão do pacto federativo. É preciso também avançar como uma reforma tributária, essa sim que acabe com os privilégios dos rentistas e super ricos no Brasil. Temos que avançar no entendimento de que as dificuldades na previdência e a própria crise fiscal são resultantes de uma crise econômica mais ampla, passar a buscar soluções pelo lado da receita. E romper com a hegemonia da austeridade e lutar por políticas contra cíclicas que garantam a manutenção do emprego e das políticas sociais.

Documentos produzidos pela CPI do Rioprevidência:

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